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20 de junho de 2015

O poder do mito - Superman e a Bíblia (parte 1?)

Algumas semanas atrás, após ouvir uma série de argumentos (normalmente contrários) ao ensino religioso em escolas, eu tive de refletir um pouco. 
Sim, eu sou ateu e acho que a ideia proposta está errada (ei, veio do Malafaia, com certeza não é para apresentar crianças a teorias de Joseph Campbell mas para ensinar que Darwin estava errado), mas pare para pensar no potencial fodástico disso.
Sério, eu fiquei realmente empolgado com a ideia de um curso de religião firmemente baseado em 'As máscaras de deus' (Sério, um dos livros mais incríveis que já li), 'O herói de mil faces' e pesquisas antropológicas sobre o desenvolvimento das culturas e culto e obviamente outros materiais que flertam ou brinca com o contexto e subtexto como Sandman de Neil Gaiman, as fantásticas críticas satíricas de Bill Hicks (a vida, é só um passeio) entre tantas outros importantes estudos de história que não são apropriadamente debatidos - a Jihad como conseqüência das 'guerras santas' do século XIII, todo o conflito ainda persistente no Oriente Médio - que Persepolis sumariza brilhantemente, e enfim, várias das atrocidades cometidas em nome da religião, e até na ausência dela, como pelo Stalinismo, que não são de fato discutidas.


Como por exemplo a conceituação de mitos, da importância da transmissão de conhecimento através de lendas e figuras icônicas que são capazes de transmitir os valores fundamentais de uma geração para outra, através de novas roupagens, novas abordagens.
Releituras para contar as velhas histórias.
Kurt Vonnegut contextualizou isso algumas vezes (eu postei aqui uma vez sobre os gráficos que ele fez para explicar os tipos de histórias), só que algumas vezes é efetivamente literal. Algumas histórias são apenas outras histórias.

É assim com Superman, ele traz e reencena o velho testamento (e o novo testamento, mas isso a partir da Crise nas Infinitas Terras que redefine o universo de quadrinhos da DC e traz um Superman que morre para espiar nossos pecados impedindo o Apocalipse - mais literal que isso impossível, hein? - mas isso é assunto para mais tarde).

O personagem é composto por uma série de imagens que são fundamentais do velho testamento - o moisés voando pelo espaço, a figura do homem que viria para libertar a raça humana dos opressores (ao invés de faraós, são grandes tiranos como Brainiac, Mongul e posteriormente Darkseid), a arca na fortaleza da solidão (com um zoológico espacial preservando espécies extintas)... Droga até o mito da criação, o próprio Genesis se vê demonstrado na história da destruição de Krypton (Jor-El e Lara representam Adão e Eva num paraíso idílico - e estéril - onde crianças nascem de laboratório; Os dois tem sua própria serpente - o General Zod, que é banido para a inexistência da Zona Fantasma; O casal é destruído junto de seu paraíso, mas o homem de aço parte para espalhar a herança do planeta moribundo).

Existe um bocado de simbolismo nas imagens da família adotiva/família verdadeira e da existência de super poderes como uma representação do divino (enquanto Moisés abriu o mar vermelho, o Superman destrói asteroides que podem extinguir a vida na Terra) mas não apenas os poderes afinal ainda estão ali dois outros aspectos: A tecnologia kryptoniana (que permite visões do futuro, passado e outros fatos relevantes, e visões - e profecias - são lugar comum em textos sacros) e os amigos da Legião de Super Heróis (crianças/adolescentes de um futuro onde todos tem super poderes e seguem as filosofias do Homem de Aço, e ainda que não pareça claro em virtude de outros tantos aliados, elas estão ali para o Superman durante seu período de maior provação: A adolescência; Estes aliados surgem para manter o personagem em seu caminho virtuoso, para ajudá-lo em suas trilhas... Algo como anjos, arcanjos e outras figuras que ilustram o auxílio divino). Note que há uma divisão entre visões e figuras, uma de maneira fria e abstrata (como é possível essa tecnologia kryptoniana?) enquanto outra traz uma condição utópica e humana (amigos de um futuro perfeito onde tudo deu certo).

Vale frisar que a adolescência do Superman traz uma série de histórias que deixaram de valer para a continuidade posteriormente, o que inclui a amizade com um cabeludo Lex Luthor - que ganha uma 'marca' após o encontro com o Superboy, que ele jura destruir, ainda que veja como seu equivalente/igual, como a história de Caim e Abel.

Inveja - confere; Marca - confere; Tentativa de homicídio - confere;

Ficam algumas coisas para depois sobre a família adotiva e a adolescência do personagem quando eu falar sobre a condição de Superman representando o Novo Testamento.
Mas eu juro que não vou falar dos super animais... Tá, só um pouquinho: Eles aparecem como forma de representar a divindade em todas as criaturas, uma vez que são criaturas que os povos judaicos não podem comer (um cavalo, um macaco - sério - um gato... Faltaria outros como um porco e um carangueiro, mas aí já ficarai muito ridículo não é mesmo?) ou simplesmente porque os autores estavam sem ideias, e as exigências de mercado pós-Friederich Wertham (psicólogo autor do livro 'A Sedução do Inocente' que, entre outras coisas forçou a criação do Comics Code) forçassem a mão para histórias mais infantilizadas e por isso animais domésticos ganham super poderes e formam uma Legião - e um deles se apaixona pela Supermoça...

Há mais, com a figura de Superman representando sempre algum profeta do velho testamento conforme se interpõe a ensinar valiosas lições para seus discípulos (prioritariamente Lois Lane e Jimmy Olsen - mas outros se juntam a turma de tempos em tempos e tem sua fé testada em histórias realmente absurdas). Esse ponto do teste da fé, paciência e perseverança é um dos pontos importantes do Velho Testamento, e é presente em diversas das histórias e figuras (como a história de Jonas dentro da baleia ou de Isaac a quem Deus ordena que mate o próprio filho) e isso se reflete em diversas histórias, ao que só é preciso procurar o tumbler 'Superman is a dick' com exemplos bastante nítidos:

O deserto também não é uma coincidência - imagem comum do velho testamento

Antes que alguém pergunte, não, o diabo não tem uma figura clara representada na mitologia do Superman, e os motivos são bastante claros e próximos do que existe na Bíblia (não confunda com o demônio de Paraíso Perdido de Milton, e sim com a figura bíblica - que basicamente não tem forma e é uma criatura que tenta perverter as pessoas boas do caminho da virtude) e o mais próximo desse papel é de um vilão cujo nome eu não consigo nem pronunciar... Bem, não é como se tivesse vogais no nome dele para facilitar, não é mesmo?

Mcgurk?
E, é importante destacar que essa análise foca única e exclusivamente NO personagem, nas histórias do Superman de suas séries e derivadas de 1938-1985 - ao contrário do universo maior, nas interações com outros personagens e outras culturas, que adiciona um contexto maior de mitologia grega (como eu destaquei em outro texto, que é o que acontece com a visão de Superman como Apolo, Batman como Hades e por aí vai, as óbvias analogias de Flash como Hermes e Lanterna Verde como Hefesto), principalmente porque existe uma quantidade muito grandes de autores/criadores para os demais personagens fora do espectro do Superman o que forma condições conflitantes no apanhado maior.

Por enquanto é só.

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